Encraves de cerrado possuem fauna e flora única em Alagoas

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Áreas de solo arenoso e ácido sustentam espécies de características semelhantes ao bioma do Centro-oeste brasileiro 

Janderson Oliveira 

As matas alagoanas possuem uma grande diversidade de fauna e flora, sendo sempre possível novas descobertas. Ainda pouco conhecidos, encraves de cerrado estão presentes no Estado, com espécies semelhantes a este bioma do Centro-oeste brasileiro. O Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA/AL) destaca a importância de preservação dessas áreas, vítimas de ações humanas, como a especulação imobiliária. 

“Os encraves de cerrado são pequenas ilhas de vegetação que podem ser encontradas nos tabuleiros costeiros, em maioria no domínio da Mata Atlântica, mas também são observadas na Caatinga”, afirma Rosângela Lemos, curadora do Herbário MAC do IMA.  

“Apresentam fitofisionomia muito característica, de riqueza florística similar as áreas de Cerrado do Planalto Central. As árvores possuem caules retorcidos e raízes longas”, destaca. 

O Herbário MAC possui em seu catálogo diversas espécies colhidas nessas áreas, a bromélia Aechmea costantinii, a lixeira (Curatella americana), mangabeira (Hancornia speciosa gomes) e outras disponíveis para consulta em http://splink.cria.org.br/manager/detail?setlang=pt&resource=MAC

Anacardium occidentale L. coletado na APA do Catolé e Fernão Velho. Imagem: Herbário MAC

A diversidade única, no entanto, não impediu a atividade humana de desmatamento, afirma Flávia Moura, professora de Ecologia e Botânica da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).  

“Boa parte dessa vegetação foi removida depois da descoberta de correção dos tabuleiros, a partir da década de 70, passando a ser espaço para plantio de cana de açúcar”, explica. 

A lixeira (Curatella americana L.) é uma das árvores mais presentes no Cerrado, adaptável a solos argilosos, arenosos e pedregosos. Foto: Alex Popovkin

O solo pobre e ácido, dificulta a absorção de nutrientes, e pode dar um aspecto de área degradada, à primeira vista. No entanto, essas matas abertas abrigam uma grande singularidade de espécies de fauna e flora, objeto de pesquisa de muitos cientistas, a exemplo do biólogo Marcos Dubeux, mestrando em biologia animal da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).  

“Conheci os encraves de cerrado durante a pesquisa para meu TCC, sobre a herpetofauna da Área de Proteção Ambiental (APA) do Catolé e Fernão Velho, com o objetivo de realizar um inventário das espécies de répteis e anfíbios ocorrentes nessa Unidade de Conservação. Das 40 espécies de sapos que foram registradas na APA, várias foram apenas encontradas na região chamada de ‘cerradinho do Catolé’, atualmente um dos maiores encraves do nosso estado, comenta Marcos Dubeux. 

O cerradinho é o nome popular que se dá à parte alta, de tabuleiro costeiro, da APA do Catolé e Fernão Velho, em Maceió. Fragmentos de encraves de cerrado estão mais próximos do que se imagina, e já estiveram presentes em bairros populosos das cidades e até mesmo no campus A.C. Simões da Ufal. 

O biólogo afirma que várias espécies se beneficiam das características da região e apresentam um comportamento diferenciado, em relação aos pares que vivem na floresta fechada da Mata Atlântica. 

Phyllodytes edelmoi, espécie endêmica do Nordeste brasileiro, com ocorrência predominante em Alagoas, vive em bromélias e está avaliada como “quase ameaçada de extinção” pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Foto: Marcos Dubeux

Existe no cerradinho alguns anfíbios que realizam estivação quando o clima está muito seco e com baixa oferta de alimento, ou seja, se enterram, após se envolverem em camada de muco, e adormecem há vários centímetros debaixo do solo, até o retorno da estação chuvosa, com climas mais amenos. Esse comportamento é encontrado, por exemplo, na Rã-bode (Dermatonotus muelleri), espécie que na APA do Catolé e Fernão Velho é registrada apenas no cerradinho. 

A flora de fitofisionomia semelhante ao cerrado proporciona condições ideais para algumas espécies da fauna, a exemplo da bromélia-tanque Aechmea costantinii. Ela é grande acumuladora de água de chuvas e, portanto, lar ideal para a Lagartixa-currupaca (Gastrotheca fissipes) uma perereca endêmica do Brasil e encontrada na APA de Catolé e Fernão Velho apenas no cerradinho. Preservar esses encraves é garantir a permanência de diversas espécies nativas de árvores em Alagoas, destaca a professora Flávia. 

Gastrotheca-fissipes observada na APA do Catolé e Fernão Velho. Foto: Marcos Dubeux

“As mangabeiras, árvores de muita utilidade para a fauna local, estão sendo dizimadas por conta da especulação imobiliária nas áreas de praia. Felizmente, ainda há muitas na área do cerradinho na APA do Catolé e Fernão Velho. Outra árvore importante é o murici, em grande volume no território. Além das bromélias, que são fantásticas e essenciais para a vida de diversos animais”, elenca. 

O biólogo Marcos Dubeux também relata o desaparecimento do Calango-de-areia (Ameivula ocellifera) nos últimos anos na APA do Catolé e Fernão Velho. Por se tratar de uma espécie de fácil visualização, a falta de registros desde 2004, pode ser um indicativo de um declínio populacional acentuado ou mesmo uma possível extinção local, uma vez que essa população apresenta distribuição restrita as regiões arenosas do cerradinho. Em Alagoas, essa espécie arenícola (especialista em solo arenoso) é encontrada na caatinga, restingas e, até pouco tempo atrás, no cerradinho. 

Com aspecto de vegetação aberta e degradada, muitos podem achar que os encraves de cerrado são áreas desmatadas, em regeneração, mas é característica de sua vegetação. Ao deparar-se nesses espaços, respeite a fauna e flora local, como no restante dos biomas tradicionais do Estado, pois é dever da sociedade garantir a permanência da singularidade de toda a natureza alagoana.